terça-feira, 8 de setembro de 2009

NAS HORAS DO MEU VAZIO



A mim mesma eu inventei
jogando flores na estrada,
meus espinhos eu quebrei
dentro da carne sangrada.

O palhaço que eu pintava
para o mundo gargalhou,
pra mim mesma ele chorava,
foi assim que me castrou.

Bem em frente do meu nada
questionei os meus valores,
foram feitos pra fachada,
pra comprar os meus amores.

Os amigos que eu guinchei
com o laço da insistência,
quando vi eu sufoquei
com a malha da carência.

Não quero viver em vão
quero o avesso dessa malha,
tricotar com minha mão
o reverso da medalha.

Ser eu mesma assim na bruta,
desprovida de pintura,
sem ter tempo e na labuta,
sem sorriso e sem frescura.

Ser eu mesma sem dinheiro,
sem estudo e sem diploma,
batalhando o dia inteiro,
mas de fora da redoma.

Quem quiser ser meu amigo
calce o meu velho sapato ,
respeite meu jeito antigo
e seja amigo de fato.

Nas horas do meu vazio
faço em mim uma lavagem,
meu avesso entra no cio
pra parir minha coragem.

Dáguima Verônica de Oliveira

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

CORDEL


O MENINO CAPETINHA

“ O Menino Capetinha”
fez-se mote em minha escola
Já chegava saltitando
como se pisasse em mola
todo mundo se arredava
não ficava onde ele estava,
exceto para dar cola.

Ai de alguém que não ousasse
acatar sua ameaça,
o menino já dizia:
- “ Você é a minha caça,
vou te torturar primeiro,
depois como por inteiro,
dessa vez você não passa!”

O Menino Capetinha
nem chegava ao seu intento
o pavor era tão grande
que sem nenhum movimento
todo mundo obedecia
e com medo agradecia
desculpando com lamento.

Sempre chegando atrasado
meia hora ele roubava
ajustando a sua mesa
na sala inteira ele andava
fazendo o maior barulho
chutando qualquer entulho...
Todo mundo se calava.

A professora, coitada
sempre ali passando mal
não havia solução
o moleque marginal
carregado de vingança
um palavrão sempre lança
acertando na moral.

A diretora escondida,
O Conselho Tutelar,
do telefone chamava:
-“Vem aqui nos ajudar,
o Menino Capetinha
(nem um nome ele tinha)
conosco vai acabar!”

Foram tantas expulsões
e o menino reprovado
tantos anos repetidos
seu furor sempre dobrado
meu olhar nele focava,
o menino eu já amava
por mim ele era aprovado.

Esperei fora da escola
resolvi lhe dar valor,
na sua casa chorou
vomitando seu horror.
A família numerosa
me abraçou bem carinhosa
sabia do meu amor.

E com ele ali fiquei
- era seu aniversário...
Já era noite bem alta,
não me importei com horário
partilhei com ele a luta
senti na carne a labuta
de quem não tem um salário.

Em sua casa de lona
revestida de jornal
a notícia mastigada
da injustiça Federal...
partilhando um senso crítico
desnudavam o político
que plantava todo mal.

Sabiam da hipocrisia,
- armação dos poderosos
por isso se defendiam
passando por perigosos.
Não vestiam dessa malha
cometendo a mesma falha
paparicando orgulhosos.

Lá naquela caverninha
é do céu que vem a luz
o alimento é caridade
o vestir somente a cruz...
Nesse mundo o orgulho some
o menino lá tem nome:
Não é capeta é Jesus.

Dáguima Verônica de Oliveira

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O VELHO CARRO DE BOI


O carro de boi cantando
o meu pai com seu peão,
- um na frente outro tocando,
cada um com seu ferrão.
O carro cheio de milho,
rasgando parte do trilho,
deixando marca no chão.

Em cima daquela carga,
um velho jacá vazio,
- sinal da batalha amarga,
em tantas noites de frio,
em tantos dias de sol,
em cada doce arrebol,
contornando aquele rio.

Chegando em casa bem tarde,
- o milho já nos porões,
mas o canto ainda arde
na cabeça dos peões.
Meu pai, “carreiro” da vida,
sabe a dor de uma subida
fazendo gemer canções.

No outro dia a vistoria
- ainda na madrugada
preparando a cantoria
para mais uma empreitada.
Checando em baixo, a emborgueira,
junto a ela a cantadeira
que vai dar o tom na estrada.

A junta de bois da guia,
- já presos ao cabeçalho,
mostrando que nasce o dia
pra arrancar do chão cascalho.
Ferrão de carrapateiro,
bem em riste o seu ponteiro
cutuca para o trabalho.

De novo meu pai na frente
desbravando a lama suja.
A boiada na corrente,
- sob a mira de Azambuja,
do trançado de taquara
cutucava com a vara
no “depenar da coruja”.

Nossa vida era uma escola
feita de sonho e canção,
em nosso peito ainda rola
a cantiga da emoção...
O velho carro de boi
- eu não sei pra onde foi,
questiona meu coração!


Dáguima Verônica de Oliveira